Passando a vida a limpo


Como já estamos em dezembro - meu Deus, como o tempo está passando rápido! -, chegou a hora de fazer o famoso balanço, aquele que se faz todo fim de ano. O meu já está feito; não o balanço do ano, mas o balanço da minha vida inteira. Foi assim: fui procurada por uma editora, a Companhia das Letras, que propôs que eu escrevesse minha história. Fiquei assustada, claro; nunca tinha passado pela minha cabeça escrever sobre a minha vida. Será que eu me lembraria de tudo, de coisas nas quais não pensava fazia tantos anos? Mas a memória é curiosa: está tudo lá, tudo o que realmente importou, e durante nove meses - o tempo de uma gestação - me debrucei sobre o passado. Surpreendentemente, consegui me lembrar de fatos da minha infância, adolescência, casamentos, separações, alegrias e tristezas. Não foi fácil. Voltar ao passado significa revivê-lo, e lembrar de momentos que passaram e nunca vão voltar é, muitas vezes, melancólico. Mas nem sempre: quando você pensa nos momentos difíceis que na hora pareciam o fim do mundo, vê que outros vieram, alguns até melhores. Essa "viagem" - porque é uma viagem - mostra que a vida é mesmo imprevisível e que tudo pode acontecer a qualquer instante, desde que a gente esteja aberta e receptiva. A você, que vai fazer seu balanço, eu daria uma sugestão: mesmo que não costume escrever, compre um caderno e toda noite, antes de dormir, faça um pequeno resumo do seu dia. Escreva as coisas mais banais, conte que tomou um ônibus, quanto pagou pela passagem, que comprou um sapato, descreva a cor e o modelo, que pensou em ir ver um determinado filme, que brigou com o namorado; conte seu dia, enfim, e faça disso um hábito. Todas nós temos curiosidade de saber como foi a vida de nossas mães, de nossas avós. Se elas tivessem feito isso, que riqueza seria ler esses pequenos relatos do cotidiano, saber como era a vida quando elas eram jovens, o que queriam, com que sonhavam. Sabemos muito pouco sobre as pessoas mais próximas de nós e, se você fizer o que estou sugerindo, um dia seus netos e bisnetos vão encontrar esses cadernos, que serão para eles um verdadeiro tesouro. Como eu gostaria de saber como era a vida de minha avó; isso me ajudaria a compreender melhor por que sou o que sou. É sempre hora para começar, e não existe dia melhor para isso do que o 1o de janeiro. No fim do ano, você vai ler o que escreveu e ver que se aborreceu com coisas bobas, que teve alegrias das quais tinha esquecido, que amores que pareciam eternos não foram tão eternos assim, que as coisas passam, que é fundamental ter esperança e que a vida vale a pena, sempre. Escreva, sim; será uma conversa sincera com você mesma, e quando, no final de 2006, ler o que escreveu, vai levar alguns sustos, mas faz parte. Prepare-se também para se emocionar e saiba: qualquer vida, mesmo a aparentemente mais banal, dá um romance.