Preferiria não ser...

Cléo Araújo



Eu digo sempre menos do que queria.

Ou mais.

Bem mais.

Um dia, exagero.

No outro, peco pela falta.

Sorrio demais quando deveria ter dado mal e mal um sorrisinho fechado.

Choro de menos quando deveria ter me derramado em lágrimas.

Sou levemente boazinha quando deveria ter dado não só ombro, mas colo.

Dou amor quando não recebo, desapareço quando deveria estar, estou quando deveria me esconder.

Levo bronca por reafirmar para mim mesma que não fui feita para o amor. Eu não acredito nisso, mas afirmo. É uma espécie de defesa. Mas tem a maior cara de ataque. Contra mim mesma, é claro.

Apaixono-me mais depois que o amor já passou.

Corro atrás de quem não se deixa pegar.

Fujo a léguas de quem me persegue.

Às vezes, só às vezes, fico parada. Morro de pressa, mas espero acontecer.

Não procuro nada básico, nem roupa, nem relacionamento. Mas me perco na complexidade da vida, achando que deveria ter querido algo mais simples.

Procuro uma mão para segurar quando ela se esconde dentro de um bolso.

Fotografo paisagens vazias, sem cenas de mim. Aliás, nunca estou nas minhas fotos. Seguro demais a pose, mesmo sabendo que ela dura menos tempo do que o de um flash.

Quando eu quero que as coisas funcionem, elas dão pau. O secador de cabelo, a torradeira, as compras pela internet e a programação da TV a cabo. Tudo colapsa justamente naquele dia em que eu quero secar a franja, comer torrada com cream cheese, fazer uma compra on line de um secador de cabelo novo (e o produto está indisponível no momento, embora eles insistam em querer me vender uma bicicleta ergométrica e o livro “O caçador de pipas”) e assistir às 20h00 o documentário sobre o New Kids on the Block (que passou às 19h00, embora a programação dissesse o contrário).

É no dia de Ano Novo que eu adoro o Natal.

Divirto-me com uma viagem quando já voltei para casa.

Adoro carne, mas morro de dó.

Sempre quero uma rasteirinha quando estou de salto.

Sempre quero o perfume cítrico quando resolvi sair de casa cheirando a tutifruti.

Não suporto exercícios físicos, mas não deixo de querer outra barriguinha no lugar da minha todo dia antes de dormir.

Adoro qualquer tipo de manifestação artística. Sempre acho que levo jeito para todas e qualquer uma delas. Mas canto mal, desenho mal, pinto tão bem quanto uma maritaca, nunca aprendi a ler partituras, larguei a faculdade de Cinema no primeiro ano e escrevo achando que vou provocar delírios quando, no máximo - se o dia estiver bom - faço uma pessoa rir. Uma. Geralmente minha mãe.

Sou fascinada pelos mistérios do universo. Queria ter sido astrônoma, astrobióloga, qualquer coisa que começasse com astro e oferecesse um cargo na NASA. Mas nunca tirei nota maior do que 6,0 nas provas de ótica. Odiava mecânica. E enforquei todas, eu disse TODAS as aulas de eletricidade quando me preparava para o vestibular. Não faço ideia do que seja um ampere. Afinal, para que eu precisava dessa porcaria toda se queria estudar... Cinema, certo?

Amei um milhão de vezes para sempre.

Terminei namoros que, jurei, jamais teriam fim.

Já quis estar em todos os lugares do mundo sem precisar sair da minha casa.

Se está curto, quero comprido. Se liso, enrolado.

Se sozinha, preocupada. Se acompanhada, magrela.

Eu sei tirar cutícula da mão direita, mas não sei imprimir etiquetas Pimaco 6182.

Eu sei cuidar de cachorro, mas preciso aprender a aceitar algumas coisas, algumas pessoas e alguns lugares como eles são. Preciso muito aprender a parar de imaginar “como seria se”.

E assim eu sigo.

Às vezes, dizendo mais do que queria.

Outras vezes, seja por excesso de amor à arte (que eu não domino) ou por falta de amor a mim mesma (que eu mal entendo), acabo dizendo menos.

E aí, quero acreditar em mim. Em você. Em qualquer coisa.

Quero acreditar...

Quando sei que o que me dá mais prazer nessa vida é duvidar.