Todas as cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem


Mesmo sendo apaixonada pelas novas tecnologias, da internet à TV digital, quando o assunto é o amor, sou adepta das velhas e tradicionais cartas escrita à mão. Gosto daquelas com data, saudação, selo lambido, cuidadosamente escritas e levadas pelo carteiro, isso quando eu não sou a própria e fico na tocaia esperando o destinatário abri-la e correr os olhos pelas linhas em que tanto empreguei meus desejos.

Não suporto a pressa da internet, das mensagens instantâneas, dos emails lacônicos e apressados. Gosto sim das cartas que levam dias para serem escritas, onde debruçamos o coração pela escolha da palavra certa, da frase contundente, até mesmo das lágrimas secas sob o papel.

Não temo ser brega ou romântica de boteco de esquina, temo sim não ter deixado lavrado o que pensava ou desejava, arrependendo-me postumamente por não ter deixado meu coração comandar minha mão nas preces do amor. Como já bem disse Álvaro Campos: “todas as cartas de amor são ridículas, e não seriam de amor se ridículas não fossem”.

Apesar dessa tecnologia que nos afoga em nós mesmos, imersos solitariamente num mundo de cabos, satélites, monitores e alto falantes, a carta escrita à mão ainda é a melhor maneira de expressarmos nossos anseios, de nos declararmos ao amado deixando num simples pedaço de papel outorgado parte de nosso coração; e as letras escritas de próprio punho materializam esse sentimento num documento tão válido quando os achados nos cartórios da cidade. Uma boa carta de amor é irresistível. Mas não vale copiar aqueles modelos baratos dos livros de auto-ajuda, pois é válido sempre o envelope fechado à língua, como nas antigas, selo lambido, pré-beijos dos lábios do amado.

As cartas femininas sempre foram as melhores, além dos floreios e da caligrafia certinha de quinta série (qualquer semelhança NÃO é mera coincidência), a reprodução do beijo com batom bem vermelho (esse cara já leu minhas cartas, só pode... rs), ao final, perto da assinatura, faz da carta um passaporte para o desejo almejado.

Até mesmo as cartas de amizade, deixam a gente com os olhos marejados pela saudade do amigo que mora em Angola, da prima que está na Espanha. Enfim, são dos amigos e das amantes que fazem dos envelopes no fundo do baú nossas histórias de vida.

Sou a favor da carta à mão, que já é por si só uma maneira devota, um tempo que se tira, sem pressa, para dedicar-se a quem se gosta. Pela volta da carta, pois o que se diz numa carta é de outra natureza, é o bem-querer em tom solene. Nem que seja escrita na madrugada de segunda-feira após a Tela Quente ou na mesa do bar depois de umas doses de uísque, qualquer lugar á válido para deixarmos marcados em linhas nossos sentimentos, pois um amor sem uma troca de cartas, nem que seja bem rápida, ainda não é amor…

Não há ser racional que não se comova com uma carta. É claro, concordo, que sempre haverá os fracos de espírito, aquele que se espanta com as palavras devotas de tal embelezamento. Estes temem a própria vida, são frios, reconhecerás de longe. Estes não valem uma linha, não valem sequer um email ou pulso telefônico, nem que seja pelo Skype, pois é com o selo lambido que arrastamos o coração em direção aos nossos desejos.